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Análise: Chroma Squad (Switch) é uma divertida homenagem às séries sentai dos anos 90

Jogo de estúdio brasileiro se destaca ao misturar RPGs táticos com games de gestão, apesar de problemas de performance no console híbrido.


Se você é uma criança dos anos 90 como eu, então provavelmente ser um Power Ranger também estava nas primeiras posições da sua lista de sonhos. O programa de TV sobre cinco adolescentes com garra que lutavam contra monstros bizarros vestindo uniformes coloridos foi uma febre que popularizou o estilo de séries japonesas sentai não só na minha classe na pré-escola, como no mundo todo. Hoje, mais de 20 anos depois, Chroma Squad mostra que, apesar de os fãs mirins terem crescido, o carinho pelo gênero continua o mesmo.


O RPG tático da desenvolvedora brasileira Behold Studios, criadora da série Knights of Pen and Paper, é fruto de uma bem sucedida campanha no Kickstarter e foi lançado para PC em 2015, com os demais consoles e dispositivos mobile recebendo-o em 2017. Neste ano, o jogo chegou ao Nintendo Switch pelas mãos da Plug In Digital. Jogadores da plataforma finalmente podem conferir o título, que, apesar de alguns problemas de performance e de polimento geral de suas mecânicas, se destaca ao homenagear sua fonte de inspiração de forma divertida.

Pancadaria televisiva

Parte do charme de Chroma Squad está em como seu mundo é construído e como isso influencia suas outras características. Acompanhamos a história de cinco dublês de uma produção sentai que, depois de se revoltarem com seu diretor, resolvem abrir um estúdio e desenvolver sua própria série de ação japonesa. Para isso, devem se preocupar não somente com as cenas de lutas, mas também com a administração do espaço de filmagem, o controle dos gastos e o relacionamento com a audiência e, principalmente, com os fãs.

Assim como em Knights of Pen and Paper, o jogador se relaciona com toda a narrativa do game em dois níveis: no mundo real, com a gestão do estúdio, e no mundo imaginário da série de TV, desferindo golpes nos inimigos. Isso cria um ambiente propício para a mistura de RPG de estratégia com gerenciamento de negócios que o jogo propõe. Quanto melhor se administra o lado da produção da série, melhores resultados podem ser obtidos na gravação dos episódios, nome perspicaz dado aos níveis de combate tático.
O game faz graça com a bizarrice típica dos monstros de séries japonesas.

O título se destaca dos demais jogos de seu gênero justamente ao trabalhar essa relação entre o real e o imaginário e, consequentemente, entre o RPG e a administração de recursos de forma leve e, muitas vezes, irreverente. Situações como monstros entrarem em cena antes do que deveriam, personagens esquecerem suas falas em meio ao episódio e atores estarem atrasados para a gravação são comuns e, além de engraçadas, criam contexto para algumas condições de batalhas, como a falta de um herói na hora da luta ou a presença de um anônimo no time por estar no set sem intenção. Cada situação dessa traz um dinamismo ao game, deixando o jogador alerta para o que pode acontecer.

Esse clima descompromissado possibilita que o roteiro seja repleto de referências não só a Power Rangers, mas a toda a cultura sentai/tokusatsu, à cultura brasileira e a memes de internet. Piadas sobre algumas peculiaridades das séries japonesas, participações de subcelebridades da web e usos de alguns termos que somente brasileiros irão entender e achar graça tornam a história mais descontraída. Faça questão de jogar o game em português para poder aproveitar melhor algumas dessas referências. Só não se fixe em alguns erros de digitação e de gramática que aparecem ocasionalmente.

Faça meu estúdio crescer!

Antes mesmo de iniciar as gravações, o jogador deve se familiarizar com seu estúdio e tudo aquilo que ele oferece. Diferentemente de outros RPGs, Chroma Squad não possui um sistema de níveis para seus personagens. Portanto, a evolução do esquadrão em batalhas depende muito de escolhas de otimização feitas previamente em estúdio.

A primeira delas é a escolha dos atores que irão fazer parte do seriado. Cada patrulheiro tem características distintas pré-determinadas. Enquanto alguns são bons em ataques, outros têm mais opções de movimento pelo cenário ou são capazes de curar seus colegas. O que varia são as habilidades dos artistas que irão interpretá-los. Pode-se escolher uma atriz com bônus de esquiva para interpretar a guerreira de ataque, por exemplo. Ou até mesmo um castor com mais vida para ser o líder. Depende daquilo que o jogador achar melhor.

Esse tipo de dinâmica é também válida ao equipar os dublês com uniformes e armas. Roupas, capacetes, luvas e botas possuem atributos diferentes, que podem melhorar ou piorar quesitos como ataque, defesa, probabilidade de golpes críticos e capacidade de esquivar e revidar investidas inimigas. Já as armas, além de alterarem esses quesitos, liberam movimentos especiais durante as lutas. O estúdio em si também pode ganhar melhorias que influenciam o esquadrão em combate, como novas câmeras, microfones, equipes de limpeza e seguros de vida que refletem em mais dano por golpe, mais HP e menos tempo de espera para usar ataques especiais.
Essa tela será sua companheira para montar o time perfeito.

Para aproveitar esses benefícios, é preciso gastar dinheiro in-game, adquirido ao vencer as batalhas. Além disso, pode-se usar uma série de materiais, como fita crepe e papelão, derrubados por inimigos ou comprados em uma oficina para construir novos equipamentos. Portanto, o sistema de level up é substituído por uma espécie de via de mão dupla, na qual o que se faz no estúdio influencia o combate e vice-versa.

Além de evidenciar a relação mundo real/mundo imaginário, esse é um interessante método de progressão e de balanceamento do jogo. Para incentivar o jogador a continuar em sua jornada e evitar que ele se acomode com os equipamentos que possui, todos os episódios a serem gravados estão divididos em temporadas cada vez mais desafiadoras. Equipamentos mais eficientes e novas melhorias no estúdio só são disponibilizados após a gravação da season finale. Assim, encontrar os melhores apetrechos para as próximas lutas é sempre necessário e não existe a possibilidade de se criar uma equipe extremamente poderosa, capaz de destruir tudo logo no início.

O objetivo é usar habilidades de games de gestão e de RPGs táticos para administrar seu sentai da melhor forma possível. É uma boa combinação, pois exige que se pense estrategicamente o tempo todo. Porém, como veremos, é algo que só é completamente verdadeiro ao experimentar o jogo em níveis de dificuldade altos.

Amizade é a estratégia

Mesmo com todo o planejamento de antemão, o grosso de Chroma Squad é sua mecânica de combate. Não há muita diferença em relação a títulos já estabelecidos no universo de RPGs de estratégia, como Fire Emblem e XCOM. Move-se os heróis por um determinado número de espaços no mapa e ataca-se os inimigos que estiverem ao alcance. Seu grande diferencial, no entanto, é o foco em trabalho de equipe entre os membros do esquadrão.

Seguindo o lema do sentai que ressalta a força da amizade, o game incentiva que estratégias ofensivas e defensivas levem em conta mais de um dublê. Para isso, introduz um modo chamado “Cooperação”. Ao posicionar um patrulheiro ao lado de um inimigo e disponibilizá-lo para cooperar, ele irá ajudar outro herói a atacar esse mesmo inimigo durante o turno, infligindo mais dano. Se isso for feito com todos os personagens ao mesmo tempo, eles realizam um super ataque capaz de finalizar o vilão na hora. Além disso, outros personagens podem usar o ator em "Cooperação" para pular para além de sua área de alcance, estilo Mario + Rabbids: Kingdom Battle.
Quando o aliado estiver cercado por energia amarela, ele está pronto para cooperar.

De início, é possível vencer os episódios sem usar esse modo, ativando-o só para se divertir. Porém, nos níveis mais avançados, ele se torna absolutamente necessário devido à complexidade dos terrenos e à quantidade de vida dos inimigos. Então, ao invés de espalhar a equipe pelo mapa, é melhor manter todos juntos, assim como nas séries japonesas. Mas, ao mesmo tempo, quanto mais juntos, mais propícios se tornam a serem atacados. É um nível a mais de estratégia que deve ser levado em consideração e que, quando aplicado da maneira certa, provoca uma satisfação ao ver os inimigos sendo derrotados.

Outro aspecto do gameplay que simula as dinâmicas de um sentai é a transformação do dublê em um herói colorido, chamado aqui de “chromatizar”. Após alguns turnos, o jogador pode chromatizar todo o seu esquadrão. Além de ganharem todos os atributos do uniforme escolhido no estúdio, eles podem usar habilidades especiais e suas armas características. Tais habilidades são tão importantes quanto a “Cooperação”, pois incluem golpes mais fortes, a possibilidade de afetar os vilões com efeitos negativos, ações de cura de patrulheiros e ataques que afetam múltiplos inimigos de uma só vez. As armas podem ser utilizadas conjuntamente, adicionando ainda mais uma camada no planejamento tático das lutas.
Quando atacam todos juntos, os patrulheiros ativam um ataque extra forte: o Poder Chromático.

A importância de levar em conta esses dois elementos também se dá por conta das instruções de direção das cenas. Todo episódio possui uma série de instruções opcionais a serem seguidas, que envolvem derrotar uma certa quantidade de inimigos, vencer abaixo de um limite de turnos ou acabar com o monstro chefe com um ataque em conjunto. Cumprir esses desafios dá mais pontos de audiência ao episódio, que são convertidos em dinheiro e fãs. Além da compra de equipamentos, pode-se usar o poder dos fãs para ativar campanhas de marketing para melhorar a audiência e os ganhos em cada batalha.
Após cada episódio, os fãs mandam e-mails que conduzem parte da história e quebram a quarta parede, com endereços para os quais se pode realmente escrever e receber respostas.

A quantidade de fãs também é determinante no andamento da temporada. Perder uma disputa significa perder fãs e, se houver uma debandada muito grande, a temporada pode ser cancelada. No entanto, há um certo desequilíbrio nesse quesito quando se está jogando em dificuldades mais baixas. Por exemplo, experimentei o game em dificuldade média e a quantidade de fãs angariados sempre foi o bastante para não ter que me preocupar com o cancelamento da série. A mesma coisa com o dinheiro: nunca houve preocupação grande com a administração financeira pois o montante recebido é bem grande. Por mais que seja uma dificuldade menor, perde-se um pouco a noção da importância da gestão de recursos quando eles são fornecidos à exaustão.

Kyodai mekabatoru! (ou Batalhas de robôs gigantes!)

Como todo sentai que se preze, alguns episódios também incluem as famigeradas lutas com robôs e monstros gigantes. Aqui, o mecanismo de combate muda completamente. Saem as características de RPG e entram aspectos de games de ação por turnos. Para desferir socos com o mecha, deve-se apertar o botão na hora certa, algo similar a um quick time event, com a probabilidade de se dar um golpe certeiro ficando cada vez menor a cada ataque. Jogadores mais defensivos também podem abrir mão das investidas para aprimorar seus níveis de defesa durante o turno.

A quantidade de dano do robô depende da sequência de socos bem sucedidos, formando combos multiplicadores, mas é influenciada, principalmente, pela customização feita em estúdio. É possível construir novas partes para o mecha, incluindo cabeça, braços, pernas e peitos, com os materiais derrubados pelos inimigos. Além de melhorar atributos de ataque e defesa, essas partes também podem fornecer habilidades de regeneração, lasers e espadas de energia, capazes de auxiliar a derrotar os monstros com estilo.
Administrar a quantidade de dano, defesa e o combo multiplicador é o segredo das lutas com mecha

As batalhas com o mecha não são tão desafiadoras quanto os combates táticos. Na verdade, tendo uma boa coordenação motora, é possível vencer sem que o robô tenha perdido metade da vida, na grande maioria das vezes. No entanto, as lutas são divertidas justamente por serem momentos mais relaxantes depois da tensão da batalha estratégica. É uma boa sensação simplesmente socar um monstro enorme depois de fritar o cérebro no campo de guerra.

Performance instável e falta de polimento

Algo que infelizmente afeta a diversão no Nintendo Switch são os problemas de performance durante os episódios. Principalmente na segunda metade do game, alguns níveis apresentam queda de frames por segundo e travamentos. Isso torna-se especialmente agravante quando se quer criar estratégias com múltiplos personagens, pois o processo fica lento e arrastado, com o game travando momentaneamente a cada hora que se troca de herói. Inimigos também sofrem desse mal e fica difícil acompanhar seus ataques com um FPS instável.

Os contratempos no port de Switch também aparecem na forma de glitches que, às vezes, atrapalham o bom andamento do jogo. Casos mais inofensivos incluem comandos de movimento feitos enquanto o menu está aberto, inimigos que surgem fora da arena de batalha e heróis derrotados que continuam aparecendo em pé, como se nada houvesse acontecido. Porém, há situações mais graves, como quando há exibição errada do dano que determinado dublê possui, uma câmera que às vezes não acompanha toda a movimentação inimiga, impedindo que se veja o que está acontecendo no turno, e até mesmo bugs que não deixam o episódio ser encerrado, obrigando o jogador a vencê-lo de novo.

Outro ponto negativo do título é uma falta de polimento geral. Aqui são incluídas questões menores, mas que atrapalham a jogabilidade, como a dificuldade de compreender a posição do cursor de comando no campo isométrico, fazendo com que a seleção de espaços fique difícil. Esse ponto de visão do mapa também faz com que muitos sprites fiquem acumulados em uma certa área, tornando difícil distinguir os inimigos.
Quero ver alguém entender o que está acontecendo aqui.

Além do mais, o game não possui algumas características já comuns em RPGs táticos que tornam a tomada de decisões mais eficiente. Por exemplo, não é possível ver a quantidade de dano que cada ator inflige nos inimigos, nem analisar a área de movimento dos vilões. Além disso, até agora não fui capaz de encontrar uma maneira de encerrar o turno do esquadrão antes da hora.

Vai, Chroma Squad, vai!

Apesar desses tropeços que atrapalham, sim, o gameplay, nenhum deles é forte o suficiente para manchar as qualidades de Chroma Squad. É visível que esse é um trabalho de amor da equipe da Behold Studios. O game aproveita as melhores características de RPGs táticos e de títulos de administração de negócios de maneira natural e complementar, criando uma mecânica de estratégia divertida. Sua jogabilidade tem uma ótima apresentação, com um mundo repleto de referências descontraídas aos mais icônicos seriados de ação japoneses. De quebra, o estilo gráfico em 16-bit possui sprites bem detalhados e a música em chiptune é cheia de temas que ficam na cabeça após dias. Basta ouvir o tema principal do título, cantado inteiramente em japonês, para entender o carinho que foi colocado em seu desenvolvimento. Isso sem contar os múltiplos finais que sua história pode ter, dependendo das escolhas dos jogadores.

Espera-se que os transtornos de baixa performance e de glitches sejam arrumados por meio de atualizações, para que o título possa alcançar seu pleno potencial. Porém, mesmo em seu estado atual, o game atinge a nostalgia em cheio e conversa com todos que sonham (e sonharam) em ser um Power Ranger.

Prós

  • História leve e divertida, cheia de referências às culturas japonesa, brasileira e da internet;
  • Interessante combinação entre game de administração de negócios e RPG tático, com estratégias que envolvem os dois gêneros;
  • Mecânicas de batalha diferentes, que exigem a participação de múltiplos personagens e suas habilidades especiais;
  • Batalhas de robôs mecha com mecânicas próprias e divertidas.

Contras

  • Mecânicas de gerenciamento tornam-se favoravelmente desbalanceadas em dificuldades mais fáceis;
  • Falta de algumas características de RPGs táticos que facilitariam o desenvolvimento de estratégias;
  • Dificuldade de controle em cenários isométricos;
  • Problemas de performance, com quedas de frames por segundo e travamentos em algumas partes;
  • Bugs e glitches que podem atrapalhar o andamento do jogo.
Chroma Squad — Switch — Nota: 8,0
Revisão: Vinícius Fernandes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Plug In Digital

Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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